Trabalhadores e ativistas protestam na Grécia |
WikiLeaks divulgou conversa entre diretor do departamento europeu e negociador-chefe, chefe da missão na Grécia e chefe da equipe técnica
Por causa da divulgação dos Panama Papers no domingo 3, um vazamento muito importante da véspera acabou ofuscado. O WikiLeaks divulgou a transcrição do áudio de uma perturbadora teleconferência em Atenas, em 19 de março, entre três altos funcionários do Fundo Monetário Internacional: o diretor do departamento europeu e negociador-chefe, Poul Thomsen (dinamarquês), a chefe da missão na Grécia, Delia Velculescu (romena), e a chefe da equipe técnica, Iva Petrova (búlgara).
Enquanto a última pouco opina, os dois primeiros não acreditam nos números da União Europeia e Grécia para embasar o acordo, queixam-se das concessões deBruxelas a Atenas e não querem continuar a participar nessas condições. Insatisfeitos, Thomsen e Velculescu discutem se deveriam recusar emitir um novo relatório sobre a sustentabilidade da dívida grega. Thomsen lembra que, no passado, os gregos só cederam quando o Banco Central Europeu cortou abruptamente o acesso dos bancos gregos às suas linhas de crédito:
Thomsen: O que vai nos levar a um ponto de decisão? No passado, houve só um momento quando a decisão foi tomada e foi quando eles estavam prestes a ficar seriamente sem dinheiro e entrar em moratória. Certo?
Velculescu: Certo.
T: Possivelmente é o que acontecerá de novo. Nesse caso, isso se arrasta até julho e claramente os europeus não discutirão nada por um mês antes do Brexit (referendo britânico de 23 de junho, sobre a permanência ou não do país na UE) e recomeçarão depois.
V: Certo.
T: É uma possibilidade. A outra, que estou surpreso que ainda não tenha acontecido, é que, por causa da situação dos refugiados, eles queiram chegar a uma conclusão. Ok? E os alemães levantam o assunto da gestão... e, nesse momento, dizemos: “Olhe, senhora(Angela) Merkel, você tem de pensar o que lhe traz mais custos. Ir em frente sem o FMI, e aí o Parlamento Alemão vai questionar: ‘O FMI não participa?’, ou escolher o alívio da dívida que julgamos necessário para estarmos dentro”.
V: Correto! Quando vai acontecer? Não sei, estou surpresa de que ainda não tenha acontecido. Gostaria que fosse o mais breve possível. Espero que aconteça com essas discussões sobre a dívida que começam no meio de abril (sobre a próxima fatia do resgate, no valor de 5 bilhões de euros).
T: Mas isso não é um evento. Isso não os fará... Essa discussão pode demorar muito. E eles vão deixando pra depois... Por quê? Porque não estão perto do evento, qualquer que seja.
V: Concordo que precisamos de um evento, mas não sei qual. Acho que (Jeroen)Dijsselbloem (presidente do Eurogrupo) está tentando evitar um evento, mas começar essa discussão sobre a dívida, que essencialmente é sobre nós continuarmos ou não a bordo.
T: É, mas você sabe, essa discussão pode continuar para sempre, até chegar o pagamento de julho ou até os líderes decidirem que precisamos chegar a um acordo. Mas não há nada que force um compromisso. Certo? Isso vai continuar para sempre.
V: Vai, sim, até julho, se nada acontecer antes, concordo.
Perto do final, Velculescu faz um resumo de sua visão da situação:
V: Há um cenário no qual eles (os gregos) serão pressionados o suficiente. Acho que é politicamente possível para eles ceder em ambas as coisas (superávit de 2,5% e “esse negócio de Mickey Mouse”, reformas neoliberais das quais Thomsen parecia disposto a abrir mão), mas não têm nenhum incentivo e sabem que a Comissão (Europeia) está disposta a transigir, esse é o problema. Entramos nessa negociação com a estratégia errada, porque negociamos com a Comissão uma posição mínima sem poder ir além, enquanto a Comissão parte desse ponto para ir mais longe. Esse é o problema. Não negociamos com a Comissão para propor aos gregos algo muito pior, propusemos o mínimo que estávamos dispostos a considerar e agora eles dizem que “não estamos negociando”.
Trocando em miúdos: o “evento” aos quais os negociadores se referem é uma crise financeira capaz de levar a Grécia à moratória, provavelmente em julho (próximo vencimento da dívida grega). Pretendem chantagear a primeira-ministra alemã com a ameaça de retirar seu apoio e aval e deixar a responsabilidade nas mãos de Bruxelas e do BCE, situação inaceitável para o Parlamento de Berlim. Esperam, com isso, forçar um acordo nos seus termos.
O FMI estima o superávit grego com as medidas já negociadas em no máximo 0,5%, considera as premissas do resgate em vigor uma farsa insustentável e nisso tem razão. A dívida grega não só jamais será paga nos termos atuais como continuará a crescer até a impossibilidade de pagá-la ficar evidente. Bruxelas e Atenas forjam projeções exageradamente otimistas para fechar mais um acordo provisório em meados de abril e fazer de conta que a crise acabou. Trata-se de continuar a empurrar com a barriga, por conveniência política de ambas as partes. Cada uma delas espera uma reviravolta política ou financeira favorável a seu lado.
O remédio proposto pelo FMI é, porém, politicamente desastroso. De um lado, quer da Alemanha o cancelamento parcial da dívida. De outro, quer da Grécia medidas de austeridade adicionais para gerar um superávit de 2,5% do PIB (em vez dos 3,5% necessários para pagar a dívida sem abatimentos). Isso inclui cortes de aposentadorias e vencimentos de funcionários e aumento do imposto sobre alimentos de primeira necessidade e inibe qualquer recuperação de uma economia que, segundo o ex-ministro da Fazenda Yanis Varoufakis, suportaria um superávit de no máximo 1,5%.
Ora, Alexis Tsipras, após afastar o popular e combativo Varoufakis, capitular ante as exigências da Troika e ser abandonado pela ala esquerda do Syriza, mantém-se precariamente com o argumento de ter obtido um acordo menos ruim do que outros teriam conseguido e arca com a maior parte do custo real da crise dos refugiados, pois seus parceiros fecharam as fronteiras e se recusaram a aceitar a redistribuição proposta por Merkel. Após o acordo de Bruxelas com Ancara, assumiu também o ônus de organizar a deportação dos recém-chegados.
Desde o início da crise grega em 2010, Merkel, que insistiu na participação do FMI no resgate apesar das objeções da Grécia e de Nicolas Sarkozy, prometeu aos alemães que as negociações não trariam prejuízo ao país e os 300 bilhões de euros da dívida grega seriam pagos até o último cêntimo. Para salvar seu projeto europeu, desautorizou seu ministro da Fazenda, Wolfgang Schäuble, prestes a expulsar a Grécia da Zona do Euro, mas manteve a ilusão do pagamento integral da dívida. Hoje, sua postura favorável a fronteiras abertas mina sua popularidade interna e seu prestígio entre os parceiros europeus. Sem conseguir impor a redistribuição dos refugiados, negociou um acordo vergonhoso com o governo autoritário de Recep Tayyip Erdogan.
No papel, os termos desejados pelos técnicos do Fundo fechariam as contas a seu gosto, mas sua imposição provavelmente afundaria tanto o governo alemão quanto o grego. No primeiro caso, o provável beneficiário seria o xenófobo e antieuro Alternativa para a Alemanha. No segundo, o favorito seria hoje o conservador Nova Democracia, mas é duvidoso que conseguisse governar esse país sobrecarregado, quanto mais pagar a dívida.
É impressionante como os funcionários do FMI parecem alheios à explosiva conjuntura política e econômica, capaz de fazer voar pelos ares não só suas planilhas, como a moeda na qual são calculadas e seus parceiros de negociação.
Além dos perigos do pretendido “evento” ante a fragilidade do sistema bancário, sublinhada pela crise das bolsas criada em fevereiro pelas dúvidas sobre a liquidez de potências financeiras como Deutsche Bank, Credit Suisse, UBS, Standard Chartered e Unicredit, detentores de grandes fatias da massa europeia de 1 trilhão de euros em créditos podres (sem contar a Grécia) ignoram o risco real de levar ao poder um partido de ultradireita hostil a imigrantes, ao euro e ao próprio projeto europeu na nação mais importante e central do continente.
Quanto mais o risco de causar o caos em um país pobre e periférico, mas estratégico. Tudo isso em um momento em que, além da não resolvida crise dos refugiados e da polarização induzida pela exploração do terrorismo, a Europa enfrenta um possível rompimento com o Reino Unido (certo se FMI e Bruxelas se enfrentassem antes de 23 de junho) e um sério golpe na solidariedade continental com a rejeição pelo referendo neerlandês da quarta-feira 6 do acordo de livre-comércio da UE com a atribulada Ucrânia.
Furioso com o conteúdo do vazamento, Tsipras enviou uma carta aberta à chefe do FMI, Christine Lagarde, na qual põe em dúvida a boa-fé do FMI ante a disposição de seus funcionários de exercer chantagem em escala continental. Lagarde deu uma resposta seca. “Não nos comunicamos por meio de vazamentos” e “qualquer especulação de que a equipe do FMI consideraria usar um evento de crédito como tática de negociação é simplesmente absurda”, escreveu, embora esse fosse o teor explícito da conversa transcrita.
A conclusão a ser tirada é de que o quadro financeiro da Europa é mais grave do que se imaginava e não se pode esperar transparência das autoridades europeias, nem bom senso das “cabeças de planilha” do FMI. E, apesar do Movimento Democracia na Europa 2025 lançado por Varoufakis, os povos europeus parecem cada vez menos capazes de se unir por uma alternativa.
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